Os Quatro Tipos de Intérprete do Reino Unido
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Muita gente não sabe, mas nem todos os intérpretes do Reino Unido têm preparo (e, por vezes, disposição) para atuar em qualquer contexto. Há diferenças nas qualificações, na experiência, nas habilidades e, muitas vezes, nas escolhas de trabalhos por parte dos intérpretes. Além disso, profissão não é regulamentada, sendo possível que desde doutores na área até indivíduos sem qualquer treinamento exerçam o ofício e usem o título.
Neste post, eu falo um pouco sobre as categorias e diferenças:
Intérprete de conferências
Os intérpretes de conferências são, via de regra, os mais qualificados. Em geral, tais profissionais têm, além do nível de inglês C1+ ou C2 e graduação (ou treinamento equivalente) em interpretação ou em outra área. Com frequência, têm também o título de mestre em interpretação de conferências, MA (Master of Arts)/MCI (Master In Conference Interpreting) .
São preparados para lidar com quaisquer contextos e modalidades de interpretação com discrição e profissionalismo. Ou seja, há todo um treinamento para oferecer interpretação simultânea, consecutiva e sussurrada, podendo acompanhar pessoas em pequenas reuniões, visitas técnicas, eventos, etc.. Também existe todo um arcabouço de cultura geral de várias áreas e técnicas que precisam ser treinadas e revisadas constantemente para se manter atualizado. .
Além disso, o intérprete de conferências navega temas de complexidade variada, indo desde temas extremamente difíceis como política, ciência, engenharia, direito e medicina (sem necessariamente ter graduação em tais áreas), em contextos de comunicação entre especialistas, quanto tópicos mais simples e corriqueiros. É comum estudar por dias antes de um trabalho, de forma a estar preparado para lidar com certos trabalhos mais complicados.
Para trabalhos de maior complexidade técnica, alto valor, ou ainda que exijam equipamentos, por exemplo, o ideal é contratar alguém desta categoria. Palestras, reuniões de negócios e eventos são alguns dos contextos ideais.
Intérpretes de conferência classificam suas línguas com um sistema de ABC:
A é a língua que o intérprete tem maior habilidade, podendo funcionar tanto quanto o idioma de partida quanto o de chegada.
B é uma língua que pode ser o idioma de partida ou de chegada com relação a uma língua A. A interpretação é de B para A é chamada de retour.
C é a língua da qual o profissional interpreta somente para a língua A.
Intérpretes que tenham o nível C1 de inglês só interpretam para o português. A exigência com a competência linguística é bem elevada.
Intérprete da polícia e do judiciário
A qualificação para atuar junto à polícia e aos tribunais atualmente é a mesma: o DPSI (Diploma in Public Service Interpreting) Law. Trata-se de um título de nível 6 (equivalente a uma graduação), que é obtido após o candidato prestar um exame que comprova que a pessoa consegue interpretar nas modalidades consecutiva e simultânea, fazer tradução à vista de documentos simples e traduzir português <> inglês.
O enfoque da carreira aqui é principalmente os sistemas jurídicos britânico e dos países lusófonos e o objetivo é que o profissional consiga ajudar a comunidade imigrante que não fala inglês a navegar o Judiciário britânico em delegacias, tribunais, imigração e outros. Ou seja, os intérpretes que atuam nesta categoria são, via de regra, preparados para lidar com temas de Direito que tenham técnicos de nível baixo a médio.
A comunicação aqui é focada principalmente entre especialista e leigo, então o nível de complexidade costuma ser menor e menos acadêmico do que o de conferências. Com isso, alguém com nível C1 de inglês pode desempenhar o trabalho com competência. Porém, para alguns temas jurídicos em que todos os envolvidos são especialistas, como arbitragem entre empresas, por exemplo, é mais adequado o recurso a intérpretes de conferência. Isso ocorre porque os intérpretes de conferência são normalmente mais versados na comunicação entre especialistas e no aprofundamento em áreas fora de sua especialidade.
Intérpretes que atuam exclusivamente em tais contextos em geral conseguem lidar com temas não-jurídicos de variada complexidade. Contudo, podem ter dificuldades com modalidades como palestras em consecutiva com discursos longos, bem como com a interpretação simultânea/sussurrada se o tema for demasiadamente técnico, porque seu treinamento e experiência é focado em contextos específicos onde há maior controle de quem fala. Isso não é uma regra: há também muitos intérpretes que atuam tanto com tribunais e a polícia quanto com conferências.
Uma grande parte dos intérpretes nessas carreiras têm nível C1 de inglês. Como são treinados para contextos específicos, isso não prejudica a qualidade da interpretação Há todo um treinamento de vocabulário específico da área de direito focada em serviços públicos é bastante treinado, inclusive na escrita e leitura.
Intérprete comunitário
Este tipo de intérprete é dotado do nível mais inicial de qualificação, o CIC (Community Interpreting Certificate). Os intépretes de conferência costumam ter o que no Reino Unido é o nível 7 (mestrado) e os da polícia e dos tribunais costumam ser treinados para ter pelo menos o nível 6 (graduação). Já o nível do CIC é 3, ou seja, menos que uma graduação; seria algo equivalente ao ensino médio.
Tais profissionais são preparados para acompanhar pessoas que não falam inglês em diversos contextos do NHS, que é o Serviço Nacional de Saúde britânico, e são preparados para lidar com a linguagem falada apenas em consecutivas em discursos curtos (frase a frase). Ou seja, o treinamento recebido não envolve a interpretação sussurrada/simultânea, ou o uso de equipamentos ou contextos como eventos, reuniões de negócios e palestras, ou temática jurídica.
A definição do nível de inglês exigido é vaga, sendo descrita apenas como “nível elevado”. Enquanto professora e conforme minha experiência com intérpretes, esse nível seria o B2 do CEFR (Quadro Europeu Comum de Referência para Idiomas). É um nível em que o usuário da língua se comunica com independência, mas pode ter dificuldades com temáticas mais complexas ou demasiado acadêmicas e também com certos dialetos. O treinamento em si não tem enfoque na leitura ou escrita de textos em inglês.
Intérpretes não-qualificados
Infelizmente, por conta de a profissão não ser regulamentada, existem pessoas no Reino Unido que não têm quaisquer qualificações e que atuam como intérprete simplesmente por serem bilíngues. Uma vez que não são avaliados nem treinados, não raro esses profissionais não têm sequer um nível B2 de inglês. São pessoas que muitas vezes exercem a profissional como um extra, para complementar a renda.
Não é impossível encontrar alguém que seja plenamente capaz de desempenhar a função com qualidade, mas, via de regra, alguém nesse nível provavelmente terá uma lacuna no que diz respeito a entender as regras da interpretação, utilizar estratégias e lidar com as situações em si. É comum que intérpretes não-treinados cometam erros de inglês, de interpretação e de etiqueta profissional que podem prejudicar o cliente.
Agências
Não confie em tudo que você lê nos sites de agências. Infelizmente, como a interpretação é uma profissão não regulamentada, algumas deles não focam na qualidade dos intérpretes que fornecem tanto quanto deveriam. Há casos em que simplesmente oferecem a opção mais barata disponível e, por vezes, não têm um único linguista em sua equipe.
Houve vários casos na mídia recentemente de clientes reclamando da prática. De fato, o podcast Lost in Translation conta uma história muito triste de agências que infelizmente fornecem intérpretes não qualificados ou comunitários para trabalhos onde a complexidade exige nível acadêmico de inglês e treinamento em vocabulário específico. A justificativa é a falta de intérpretes qualificados, mas o principal problema são os honorários que alguns estão dispostas a pagar.
Se você contratar intérpretes por meio de uma agência, é prudente especificar o nível de qualificação desejado. Exija também que o intérprete seja credenciado profissionalmente, o que, na minha opinião, deveria ser obrigatório: isso quando o profissional é membro de um órgão regulador.
Como saber a que categoria pertence um profissional
No Reino Unido, tornar-se membro de uma organização profissional de intérpretes e tradutores não é compulsório e, como esperado acarreta um custo anual. Ou seja, via de regra, quem se filia a um órgão regulatório aufere uma renda suficiente com interpretação para compensar e justificar pagar a taxa anual. É um investimento.
Dessa forma, a grande maioria dos membros de organizações profissionais trabalha em tempo integral com interpretação. Além disso, há a exigência de comprovação de experiência e qualificações, informação esta que pode ser consultada online por clientes.
Isso pode ser conferido nos seguintes sites:
Chartered Institute Of Linguists: este instituto incluí intérpretes judiciais, policiais e de conferência. Todos os full members têm qualificação e um certo número de anos de experiência profissional e também terá fornecido referências.
MCIL significa que alguém é membro pleno, ou seja, possui uma qualificação relevante além de pelo menos 3 anos de experiência e referências
DPSI é uma qualificação de nível 6 em interpretação jurídica
Diptrans é uma qualificação de nível 7 em tradução
CL (Chartered Linguist) significa que esta pessoa está comprometida com o desenvolvimento profissional.
National Register of Public Service Interpreters: esta lista inclui principalmente intérpretes que trabalham com o judiciário e a polícia. Todo full member deverá ter completado pelo menos 400 horas de interpretação e possuir qualificações de nível 6 e/ou 7. O site também fornece a localização aproximada do intérprete e uma descrição de suas qualificações e treinamento adicional.
Todos os intérpretes membros das organizações acima têm sua experiência e qualificações verificados.